Especialistas rejeitam ‘cura gay’ e pedem cura do preconceito

Foto: Ilustrativa

A decisão da Justiça de permitir que psicólogos promovam estudos e atendam pacientes que buscam a reversão sexual, a chamada “cura gay”, causou reações de movimentos LGBT e ativistas de direitos humanos, esquentou a internet com discussão sobre a medida, mas, acima de tudo, apontou para uma necessidade urgente da sociedade: a cura do preconceito.

Psicólogos e militantes consultados pelo Estado de Minas são unânimes ao afirmar que a discriminação tem tratamento e cura, que passa pela tríade composta por educação, informação e a convivência com a diferença.
Desde 1999, a chamada “cura gay” é proibida pelo Conselho Federal de Psicologia, que está tomando providências para recorrer da decisão. Em reação à liminar concedida pelo juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, ganhou força nas redes sociais a campanha #TrateSeuPreconceito mobilizando artistas como Anitta e Pabllo Vittar. Anitta alertou os pais a não buscarem tratamento para os filhos homossexuais e Pabllo, cantora drag, publicou no Twitter: “Não somos doentes”. A hashtag #curagay foi a segunda mais usada pelos usuários do Twitter no Brasil ontem.

O médico Dráuzio Varella também se manifestou. “Que diferença faz para você e para a sua vida pessoal se o seu vizinho dorme com outro homem, se a sua vizinha é apaixonada pela secretária de escritório? Se faz diferença, procure um psiquiatra, você não está legal”, escreveu em suas redes sociais. As manifestações tocam diretamente na necessidade de combate à homofobia, um mal que tem cura, segundo os especialistas.

O secretário de formação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Carlos Magno, está certo de que há tratamento para o preconceito. “Ninguém nasce preconceituoso, é educado dessa forma. O preconceito é uma construção e a gente pode desconstruir isso”, acredita. Para Magno, os remédios são informação e convivência. “A informação te faz entender o que é a sexualidade e a convivência mostra que ser amigo, familiar de LGBT não tem nada de não diferente, a não ser sua orientação sexual”, diz.

Ele alerta que a homossexualidade ainda é tratada por algumas religiões como pecado; em alguns países, como crime passível de pena de morte; e deixou de ser considerada doença há menos de 40 anos. “Existe uma ideologia de que a homossexualidade deve ser exterminada. Isso não é brincadeira”, afirma.

PROCESSO DE REFLEXÃO A presidente do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, Cláudia Natividade, também receita educação e convivência para a cura do preconceito. “O preconceito é uma construção social que circula livremente entre as pessoas e tem a adesão da sociedade. Está ligado a projetos ideológicos. Livrar-se do preconceito tem a ver com um processo de reflexão do sujeito sobre valores morais. O processo de terapia faz extremamente bem isso, trazendo formas mais inclusivas de ver as pessoas”, afirma.

Como um sinal de esperança, Cláudia lembra que no passado não muito distante as mulheres divorciadas eram alvo de preconceito. “A própria experiência, a convivência e a integração vão fazendo com que a gente entenda melhor o outro, a diferença”, explica a psicóloga.

“As pessoas que minimizam seu desejo ficam com sentimento de culpa, sentem-se inferiorizadas”, afirma  Andréa Moreira Lima, doutora em psicologia social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora do livro Política sexual: os direitos humanos LGBT – entre o universal e o particular”, alertando para o risco da “cura gay”. Ela destaca que quem defende a LGBTfobia demonstra uma “falta de compreensão da própria diversidade humana”, diz.

Segundo Andréa, o fim do preconceito passa por uma reflexão profunda de quem não aceita a homossexualidade a respeito dessa resistência e dificuldade de aceitar a diferença. “O incômodo diz respeito a algo do próprio sujeito e toca na sua própria identidade. Quem precisa de um cuidado são as pessoas incomodadas”, afirma. Quando tinha consultório, ela chegou a atender casos de vítimas e agressores da LGBTfobia e acredita que o preconceito tem tratamento. “É possível, se esse sujeito estiver disposto a ressignificar, mas isso passa também pelo contexto, por uma sociedade mais inclusiva que reconheça e respeite a diversidade humana”, explica.

Entenda o caso

Liminar do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, determinou que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) não proíba profissionais da área de atenderem pacientes que querem mudar sua orientação sexual, conduta impedida pela entidade desde 1999, com a Resolução 1/99.

Embora considere que a homossexualidade “não constitui doença, nem distúrbio nem perversão”, conforme estabelece a Organização Mundial de Saúde (OMS), o juiz admite a possibilidade de psicólogos, de forma reservada, atenderem casos de cura gay.

O entendimento da Justiça é que a proibição afeta o aprofundamento de estudos científicos ligados à sexualidade.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) já está tomando providências para barrar a liminar, argumentando haver evidências científicas nacionais e internacionais sobre a falta de resolutividade de terapias de reversão sexual.

Segundo o órgão, pelo contrário, essas medidas provocam sequelas e agravam o sofrimento psíquico. A entidade também destaca as contribuições da Resolução 1/99 no combate ao preconceito e na garantia dos direitos LGBT.

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