Uma denúncia anônima do Disque Denúncia relatando regalias na prisão resultou na transferência do publicitário Marcos Valério para a penitenciária Nelson Hungria, em Contagem (MG), e no afastamento da direção da APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado) Sete Lagoas (MG), onde ele cumpria pena, a 75 km de Belo Horizonte.
As medidas foram determinadas pela juíza Marina Rodrigues Brant, da Vara de Execução Penal de Sete Lagoas, na última sexta-feira (21), atendendo a pedidos do Ministério Público de Minas Gerais.
A transferência ocorre em meio à possibilidade do câncer de Marcos Valério ter retornado —ele passará por exames para confirmar o diagnóstico.
Marcos Valério cumpre pena de 37 anos em regime fechado por envolvimento no mensalão e ganhou o direito de ir para uma APAC, que tem tratamento humanizado, quando fechou uma delação premiada com a Polícia Federal no ano passado. Ele também assinou uma colaboração com a Polícia Civil de Minas Gerais.
A juíza se baseou em depoimentos de funcionários e outros detentos, que afirmaram ao Ministério Público que o publicitário recebe tratamento diferenciado por parte do presidente da APAC, Flávio Lúcio Batista. Em troca, Marcos Valério repassaria dinheiro para o dirigente, o que a defesa do publicitário nega.
Segundo os relatos, Marcos Valério é o único preso do regime fechado que sai sem algemas, já foi levado a Belo Horizonte no veículo particular de Batista, faz longas saídas de duas a três vezes por semana, já encontrou a mulher em idas ao dentista e utilizou celular no consultório do dentista, por exemplo. Batista também foi padrinho de casamento do publicitário, em janeiro passado.
Os depoimentos informam ainda que o detento Adão Teixeira do Carmo abriu uma conta bancária em seu nome, a pedido de Batista. Era o presidente da APAC que movimentava a conta, com depósitos de até R$ 7.500, saques e cheque. A suspeita é que os depósitos viriam de Marcos Valério, o que sua defesa também nega.
Um funcionário e um detento afirmaram que, ao receber pontos negativos no quadro disciplinar da APAC por ter desobedecido alguma norma, Marcos Valério teria dito que deixaria de passar o dinheiro a Batista. Os relatos falam em R$ 8.000 e R$ 9.000. O advogado Fáber Campos, que defende o publicitário, diz que não há provas de que os depósitos na conta de Carmo tenham partido do seu cliente.
Em seus depoimentos, Batista e Carmo contam a mesma versão de que o detento, do regime semiaberto, queria abrir um negócio e precisava de crédito. Para isso, Batista se ofereceu para movimentar uma conta em seu nome e, assim, ajudá-lo a conseguir crédito. O presidente da APAC diz nunca ter recebido dinheiro de Marcos Valério. E Carmo afirma que nunca procurou saber a origem do dinheiro.
Em maio, houve uma visita da Fraternidade Brasileira de Assistência ao Condenado (FBAC), que administra as APACs, para verificar as denúncias de regalias na unidade de Sete Lagoas e, a partir daí, Batista mudou alguns procedimentos. Antes, ele mantinha conversas aleatórias com Marcos Valério, sobre economia e política, na ala do regime semiaberto e passou a fazê-lo no regime fechado.
A Comissão de Segurança Pública da Assembleia também esteve na APAC na semana passada para apurar as razões de tantas saídas de Marcos Valério. Os deputados estaduais Sargento Rodrigues (PTB) e João Leite (PSDB) concluíram que as saídas, para prestar depoimento nas delações e para o dentista, ocorrem em conformidade com a lei.
O presidente da APAC relatou ainda que autorizou que Marcos Valério não utilizasse algemas porque ele tem o punho quebrado. A fratura ocorreu por conta do uso de algemas apertadas na penitenciária Nelson Hungria, antes da transferência para a APAC.
Ao serem ouvidos pelo Ministério Público, Marcos Valério e Batista confirmaram algumas das acusações como o uso de veículo particular para ir a BH, saídas que duram o dia inteiro (das 8h30 às 21h30) e encontros com a mulher no dentista. O publicitário e o dentista, Sérvulo Arantes, afirmam que não houve uso de celular no consultório.
Desde agosto de 2017, segundo o dentista, que é amigo de Marcos Valério e de Batista há 20 anos, o publicitário vai ao consultório uma vez por semana. O tratamento é para reconstituir dentes que o publicitário perdeu ao ser agredido na penitenciária de Tremembé (SP) e também em razão do câncer.
CHANTAGEM
Para a defesa de Marcos Valério, os encontros com a mulher no dentista não são coincidência, mas também não podem ser considerados regalias. Campos afirma que os depoimentos de detentos e funcionários são com base em “ouvi dizer” e não há provas. Por outro lado, diz que a versão de Marcos Valério foi ignorada pela juíza.
O advogado diz que as acusações são retaliação por Marcos Valério não ter atendido a chantagens de presos e funcionários. Em seu depoimento, o publicitário diz que era visto como “o homem do dinheiro” e que recebeu diversos pedidos: casa, óculos, carro, dinheiro, oficina, tratamento dentário e que tudo foi relatado à Polícia Civil.
Os depoimentos afirmam que Marcos Valério teria dado uma moto ao funcionário Danilo Souza —ambos negam. Souza diz que comprou a moto com seu dinheiro e que nunca recebeu nada do publicitário.
Ainda segundo Campos, Marcos Valério poderia obter o regime semiaberto no mês que vem e as acusações podem atrapalhar a progressão. “Ele já foi condenado. Não precisam criar situações para condená-lo mais. A quem interessa ele preso?”, questiona o advogado. Para a família e investigadores envolvidos na delação, o período eleitoral também pode ter influenciado o revés.
A juíza considerou, porém, que os depoimentos “confirmaram com robustez e de forma segura os privilégios” e que a metodologia da APAC, baseada na confiança e na disciplina, foi violada. Para ela, os fatos são “extremamente graves”.
“Não é crível e tampouco factível que todos os funcionários da APAC, assim como os apenados ouvidos pelo MP tenham problemas e queiram, todos, prejudicar Marcos Valério, o que torna insustentável a permanência do detento Marcos Valério no local”, afirmou.
Outro fator levado em consideração foi o fato de Marcos Valério não ter parentes residindo em Sete Lagoas, condição para estar na APAC. O próprio publicitário relatou que a mulher morava na cidade, mas se mudou há cerca de três meses por ter recebido ameaças de sequestro.
SAÚDE
No último dia 19, quando prestava depoimento à Polícia Civil no âmbito de sua delação premiada, Marcos Valério passou mal e foi levado para uma clínica. Os exames indicaram suspeita do retorno do linfoma, câncer que o publicitário teve no ano de 2012.
No entanto, são necessários mais exames para confirmar o diagnóstico, que estavam marcados para segunda (24) e quarta (26), mas não puderam ser realizados por causa da transferência de Marcos Valério a Nelson Hungria, na sexta.
Os novos exames devem ser marcados para a próxima semana. Caso a doença seja confirmada, o publicitário corre risco de morte, segundo sua família.
Na clínica, Marcos Valério recebeu uma lista de cuidados específicos para evitar doenças infecciosas oportunistas, como não andar descalço, hidratar a pele e proteger do sol, não comer alimentos crus, evitar aglomerações e ter acompanhamento médico.
Na transferência para a Nelson Hungria, a juíza determinou que ele fique em cela individual.
DELAÇÕES
Ao encaminhar a denúncia anônima sobre regalias ao Ministério Público, a Polícia Federal afirmou que “os fatos narrados não se enquadram em hipótese de perda de eficácia da colaboração” e que deveriam ser tratados como “infração funcional dos servidores”.
Foi por meio da delação com a PF que Marcos Valério obteve a transferência para a APAC. A juíza da Vara de Execução Penal, ao determinar o retorno para a Nelson Hungria, diz que nunca foi comunicada sobre a delação e que, portanto, não está subordinada a isso.
A delação foi enviada ao Supremo Tribunal Federal para homologação no final do ano passado. Desde então, o STF autorizou as delações feitas pela PF, mas o relator Celso de Mello não homologou a delação do publicitário, que está conclusa desde 1º de agosto. A delação com a Polícia Civil está em andamento.
A APAC Sete Lagoas, a FBAC e a Secretaria Estadual de Administração Penal não comentaram o caso. A reportagem não conseguiu contato com Batista.