Em carta, 1.200 médicos de MG defendem volta às aulas presenciais

A carta aberta direcionada à sociedade mineira foi escrita por um grupo de infectologistas, pediatras, psiquiatras e pesquisadores

Nas últimas semanas, a volta do ensino presencial nas escolas vem sendo discutida por professores, médicos e pais de alunos. Entre posicionamentos divergentes, as crianças, que estão há quase um ano sem ir até as escolas devido à pandemia do novo coronavírus, são a parte mais frágil da discussão.

Mesmo com a educação a distância, especialistas apontam que os pequenos estão sofrendo com problemas psicológicos. Um grupo de 1.200 mil médicos, entre eles infectologistas, pediatras e psiquiatras, escreveu uma carta direcionada à sociedade mineira defendendo a volta imediata às aulas.

“Entendemos que o debate em relação ao retorno escolar não pode girar em torno da essencialidade ou não dos serviços escolares ou da necessidade urgente da priorização da educação, já que estas são questões indiscutíveis. Escola é, sim, serviço essencial, e educação é direito de todos e dever do Estado e da família diante da constituição. Órgãos como o Unicef já declararam: ‘O fechamento global das escolas devido à pandemia da COVID-19 apresenta um risco sem precedentes à educação, proteção e bem-estar das crianças’. Precisamos devolver à infância a possibilidade de se desenvolver e ser educada no melhor formato que conhecemos”, escrevem os médicos na carta.
No texto, o grupo esclarece que, ao estudar a retomada segura das atividades escolares presenciais em Belo Horizonte e no estado, os profissionais de saúde se basearam em ampla literatura médica de experiências de retomada e estudos científicos ao redor do mundo, desde março de 2020 até o presente momento.<


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Os médicos afirmam reconhecer como complexo o debate do retorno às salas de aula, mas ressaltam que a suspensão das atividades escolares presenciais foi medida “absolutamente excepecional e temporária, inicialmente adotada como necessária para o entendimento da doença e proteção coletiva”. 

‘Decisão sem precedentes’

De acordo com a médica infectologista e mestra em saúde pública Luana Araújo, não existem precedentes para as escolas continuarem fechadas. “Os restaurantes estão abertos, o comércio está aberto. As pessoas estão na rua. Os setores econômicos estão todos abertos. A grande questão é: qual a rigidez desses protocolos de segurança? Com as escolas é possível fazer protocolos muito claros e flexíveis. Podemos realizar de forma segura e eficaz”, diz.

A médica explica que as crianças têm uma transmissibilidade muito pequena. Além disso, a chance de serem contaminadas e entrarem em estado grave ou assintomático é muito menor. Ou seja, ir até as escolas não faz delas vetores para a doença.


“Ao observar lugares onde as aulas não foram suspensas, ou que já voltaram ao normal, percebemos que não houve impacto na curva da pandemia por conta da volta presencial. Mesmo que tivesse uma dúvida teórica, percebemos que na prática isso não acontece”, afirma a médica. “É óbvio que é preciso ensinar as crianças a seguirem os devidos protocolos. Mas isso não é motivo para as escolas seguirem fechadas”, completa.

Ao ser questionada sobre os funcionários das escolas, que, com a retomada das aulas presenciais, poderiam se colocar em risco, a médica enfatiza que a maioria da população já voltou a ter uma vida “normal”.

Isso porque, cerca de 300 mil pessoas deixaram o trabalho remoto em julho de 2020, o que reduziu de 12,7% para 11,7% o percentual de brasileiros em home office. É o que aponta o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado no ano passado.

A infectologista lembra que pessoas do grupo de risco da doença devem ficar em casa e esperar a vacinação. “Quando você coloca em um plano maior, você percebe que as pessoas que não pertencem ao grupo de risco, em todos os outros setores da economia, já retomaram suas atividades. Por isso, é importante enfatizar que no caso das escolas é a mesma coisa. Pessoas de risco devem se afastar e esperar a imunização”, ressalta.


Problemas psicológicos

Em outro trecho da carta, os médicos afirmam que “se, por um lado, hoje sabemos da benignidade da infecção pelo coronavírus na infância, já não há novidade no conhecimento dos efeitos do prolongamento do isolamento social e da falta de convivência com seus pares, que trouxeram graves danos à saúde física e mental das crianças, especialmente àquelas mais vulneráveis socialmente, exacerbando todas as disparidades sociais já existentes e amplamente conhecidas”.

No texto, eles destacam que, “para muito além do conteúdo pedagógico interrompido – e do isolamento social que impacta diretamente o desenvolvimento humano – estamos falando também de má nutrição e da obesidade, das crescentes taxas de violência doméstica e abusos sexuais e de um aumento flagrante nos casos de gestação e abortos na adolescência, além dos transtornos de ansiedade, depressão e das tentativas de suicídio em crianças e adolescentes – e, infelizmente, também dos casos consumados”. 

Mais adiante, no texto da carta, os médicos rebatem eventuais críticas que têm recebido na defesa do retorno às aulas. “Para aqueles que julgam que nós, médicos, queremos o retorno escolar por estarmos com os consultórios vazios, sentimos desapontá-los. Nossos consultórios mantêm o movimento inalterado, entretanto houve um acréscimo gigantesco de crianças com traumatismos físicos e alterações cognitivas e psiquiátricas graves”, dizem os especialistas.


A médica cardiologista pediátrica e Mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carolina Capuruço ressalta que dentro de casa as crianças estão mais propícias a violência doméstica, abusos sexuais, além dos transtornos de ansiedade, depressão e das tentativas de suicídio.

“Transtornos de humor, transtornos alimentares, comportamentos suicidas, além de depressão, ansiedade, falha no desenvolvimento e perda de oportunidade são aumentos significativos. Os dados são irreparáveis e muitos deles serão irreversíveis. Quanto mais demorar para abrir as escolas, pior vai ser”, explica a médica.
Segundo um estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e publicado pela revista The Lancet em 2020,  os casos de depressão aumentaram 90% na pandemia e o número de pessoas que relataram sintomas como crise de ansiedade e estresse agudo mais que dobrou entre os março e abril do ano passado.
 “É claro, que no início, não sabíamos que estávamos enfrentando. Por isso foi preciso fechar as escolas. Agora, não enfrentamos mais esse problema. As pessoas falam que pensamos como na Europa, mas na verdade esse movimento de abertura está sendo feito em todo planeta. Locais como a África e a Índia também estão abrindo. Nada justifica esse movimento brasileiro de continuar com as portas fechadas”, explica a médica.


Movimento mundial

A maioria dos países reabriu total ou parcialmente as escolas, mas ainda buscam estratégias para que elas não tenham de ser fechadas novamente. Segundo a Unesco, 80% dos países estão com atividades escolares presenciais em fevereiro.

Ainda de acordo com o protocolo da Unesco, as escolas de todo o mundo passaram em média 2/3 do ano letivo fechadas por causa da pandemia. Mais de 800 milhões de estudantes – mais da metade da população estudantil mundial – ainda enfrentam interrupções de aulas.
“O fechamento prolongado de instituições de ensino está causando impacto psicossocial crescente nos alunos, aumentando as perdas de aprendizagem e o risco de abandono escolar, afetando desproporcionalmente os mais vulneráveis. O fechamento total das escolas deve, portanto, ser o último recurso e reabri-las com segurança, uma prioridade”, disse Audrey Azoulay, diretora geral da Unesco.



O Brasil está entre os países com o período mais prolongado de fechamento das escolas: 40 semanas. Outros países com o mesmo número de semanas são Chile, Argentina, Moçambique e Etiópia.
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