Brasília – O aumento do desemprego já afeta fortemente as contas da Previdência Social. É consenso que, em 2016, a previdência urbana voltará a registrar déficit (despesas maiores que as receitas). A estimativa é de que a relação entre arrecadação e despesas será negativa em R$ 39 bilhões nominais. Será o primeiro ano no vermelho desde 2008. Em 2015, a taxa do desemprego no país alcançou 8,5%, na média. Isso representa mais de 9 milhões de pessoas que perderam a carteira assinada, portanto deixaram de contribuir com o sistema. Para este ano, a previsão é de que a taxa atinja 12%, com a soma de mais três milhões de trabalhadores nos bancos de reserva.
A estimativa é do ex-secretário de Políticas de Previdência Social, Leonardo Rolim. “Em 2016 veremos o primeiro ano de frustração de receita na Previdência Urbana, depois do crescimento registrado desde 2008, sob o impulso do aumento da formalidade e da renda. Naquele período até o ano passado, a receita do sistema cresceu, em média, mais que o dobro do Produto Interno Bruto (PIB, a soma da produção de bens e serviços do país). Houve ano em que chegou a mais de 10%”, observou.
Rolim explica que a queda do número de contribuintes, a diminuição da massa salarial, além da inflação, provocam desequilíbrio no sistema. Nas contas do ex-secretário, o déficit vai atingir R$ 146 bilhões somadas as contas relativas às áreas rural e urbana. O rombo destoa dos R$ 136 bilhões estimados pelo Tesouro Nacional. “Vai ser o pior ano da história da previdência urbana”, vaticina. “O Brasil nunca teve um período de queda de PIB tão acentuado. Nem na década de 1980 com a hiperinflação, nem na de 1990 com Collor e todas as crises internacionais como a dos tigres asiáticos, Rússia, México e Argentina”, completa.
Os especialistas dizem que o mercado de trabalho é o último a sentir a crise econômica. Os empresários resistem muito antes de demitir, sobretudo devido aos altos custos da demissão. Além disso, há o desperdício do dinheiro investido na formação de mão de obra. Uma vez que o processo começa, porém, a recuperação é mais lenta ainda.
“Nada acontece do dia para a noite. O mercado de trabalho está afundando e não chegamos ao fim do poço. Vai se agravar ainda mais. Março do ano passado foi o último mês com resultado positivo. Agora já estamos nos aproximando dos 2 milhões de desempregados em 12 meses. Se o mercado de trabalho vai mal, as contas da Previdência não têm como estarem bem”, afirma Rodolfo Peres Torelly ex-diretor do Departamento de Emprego do Ministério do Trabalho.
O reflexo do desemprego foi imediato no resultado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que registrou déficit em janeiro e fevereiro de R$ 18,7 bilhões, aumento real de 58,3% em relação a igual período de 2015. As contribuições caíram 5,9% em termos reais e o resultado da previdência urbana foi negativo em R$ 3,4 bilhões no primeiro bimestre.
Enquanto isso, o pagamento de benefícios cresce ao ritmo de 3,5%, em média, ao ano, alimentado pelo aumento das aposentadorias, que são corrigidos pela inflação, e o crescimento do número de beneficiários. Das receitas primárias totais estimadas pelo Tesouro, de R$ 1,4 trilhão neste ano, o RGPS deve consumir R$ 496,4 bilhões, superando em mais de 30% os R$ 360,4 bilhões de receitas estimadas – e que, inevitavelmente, serão menores, com o aumento do desemprego e da queda da massa salarial.
(foto: D.A Press)
POPULAÇÃO SE TRANSFORMA Desempregado desde 2014, Lucas Elpídio Ramos da Silva, de 30 anos, conseguiu bolsa de estudo para o curso de serviço social na Universidade de Brasília (UnB). Silva conta que começou a trabalhar aos 14 anos como menor aprendiz e diz ter anotados cinco anos na carteira de trabalho. “Preocupa-me muito o fato de não estar contribuindo para a previdência, ainda mais agora que a idade de aposentadoria está aumentando. Mas não sobra. Pretendo fazer um concurso público e, assim que der, fazer um plano de previdência privada”, ressalta. “Mas agora não tem jeito. Estou com o nome sujo no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). Primeiro tenho que arrumar trabalho, colocar as contas em dia e depois cuidar da Previdência”, avalia.
Silva tem razão em se preocupar. O Brasil vive uma transformação demográfica e o envelhecimento populacional é uma realidade. Os números mostram que sociedade brasileira está envelhecendo rapidamente. Em 1955, a expectativa de vida ao nascer era de 52,9 anos e, em 2015, já alcançou 75,4 anos. A taxa de fecundidade passou de 6,1 filhos por mulher, em 1955, para 1,7 filho em 2015. Hoje, o país tem 46 milhões de pessoas acima dos 50 anos e este número será o equivalente a mais do dobro dentro de três décadas.
A redução do número de nascimentos aliada ao aumento da expectativa de vida do brasileiro, fará com que pessoas acima de 60 anos passem a representar percentual maior da população. Em 2050, o país terá 60 milhões de habitantes com mais de 60 anos, o que corresponderá a mais que um terço do total, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Problemas demais e pouca ação
Para Nilton Molina, presidente do Conselho de Administração da Mongeral Aegon Seguros e Previdência S/A e do Instituto Longevidade, o principal problema do país é que as pessoas não sabem como o sistema de Previdência funciona. “Há dias, em uma reunião, clientes bem informados, que foram altos executivos, ganhando entre R$ 40 e R$ 50 mil, reclamavam que recebiam R$ 3 mil de benefícios. Eles não tinham ideia de que nunca contribuíram para receber mais que o teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que é de pouco mais que R$ 5 mil”, avaliou.
O especialista defende que o governo faça um grande programa de educação e esclarecimentos para a população. “Na minha opinião, não deveria fazer reforma, mas, sim, a criação de uma nova previdência, um sistema totalmente diferente para os nascidos depois do ano 2000. Depois deveria criar incentivos fiscais para que os trabalhadores do regime antigo se integrem ao novo sistema. Isso já foi feito no país, na década de 1960, quando foi criado o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e deu certo”, sugere.
O envelhecimento rápido da população brasileira é realidade. O Brasil ainda é um país jovem, mas já gasta com previdência a mesma quantia que o Japão, que tem uma população na faixa mais alta de idade três vezes superior à brasileira.
Segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), hoje, no Brasil, há oito pessoas em idade ativa para cada pessoa com 65 anos de idade. Daqui a 25 anos essa relação deverá cair para quatro. “Ou seja, para que o nosso crescimento não seja afetado, os quatro trabalhadores em idade ativa terão que produzir o mesmo que antes era produzido por oito trabalhadores. Qual o risco? Adiarmos por muito tempo a reforma da previdência, e em 30 anos sermos um país que não cresce”, afirma Mansueto.