Uma haitiana sem documentação, que não fala português e está internada no Hospital Municipal de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, desde fevereiro deste ano, pode ser personagem de uma trama perigosa. Algumas controvérsias na história dela levaram a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Polícia Civil a iniciarem uma investigação sobre a possibilidade de ela ser vítima de tráfico internacional de pessoas. A OAB quer, inclusive, acionar a Polícia Federal para que o caso seja apurado em outras instâncias. O órgão teme que a menina tenha alta do hospital, agendada para esta sexta-feira (26), e fique em uma situação vulnerável.
A jovem, que diz ter 18 anos, teria chegado ao hospital quase morta. Com um aborto retido e sepse abdominal, ou seja, uma infecção generalizada na área, ela foi diretamente levada para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Documentos do próprio hospital, aos quais a reportagem teve acesso com exclusividade, explicam que ela teria sido buscada pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em um galpão em Contagem. A jovem teria sido encontrada deitada no chão, agonizando. Uma pessoa que se apresentou como cunhada dela foi quem chamou o Samu para socorrê-la.
O quadro clínico da haitiana, que indicava falta de alimentação e de hidratação adequada por longo período, chamou a atenção da equipe multidisciplinar do hospital. Para aumentar as dúvidas quanto à situação da jovem, um homem haitiano, de idade não revelada, que teria entrado no país há quatro anos pela fronteira, pelo Acre, apresentou-se na unidade de saúde como namorado dela. Ele teria dito à equipe médica que pagou R$ 5.000 a uma pessoa para trazer a jovem para morar com ele no Brasil, o que teria ocorrido em novembro de 2017.
Em uma das entrevistas feitas com o homem pela assistência social do hospital, ele teria dito que não manteve relações sexuais com a jovem. Porém, em seguida, afirmou que sabia que ela estava grávida e que, inclusive, a teria levado ao médico.
As contradições chegaram em forma de denúncia à OAB e à Polícia Civil, e representantes das instituições e da área de direitos humanos do governo do Estado estiveram nesta quarta-feira (24) no hospital para apurar a história.
“Por enquanto, o que temos são suspeitas e indícios. Mas isso tem que ser melhor apurado. Queremos que o Estado abrigue essa menina enquanto ocorre a apuração. Precisamos que as polícias Civil e Federal se empenhem nessa investigação”, afirmou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Willian Santos.
‘Ela parece estar sendo ameaçada’
Fontes do Hospital Municipal de Contagem relataram que a haitiana se sente desconfortável com a possibilidade de morar com o suposto namorado. Além disso, segundo a equipe, a jovem fica nervosa na presença dele. No relatório social da unidade de saúde, consta a informação de que ela disse que aceitaria ir para outro lugar. “Ela tem muito medo de falar. Parece estar sendo ameaçada”, disse uma fonte, que pediu para não ser identificada.
Integrante da Comissão de Promoção à Igualdade Racial da OAB, Cristina Ferreira afirmou que a haitiana pediu que entrassem em contato com a mãe dela: “O que vi foi uma jovem acuada, carente e que parece ter, no máximo, 13 anos”.
“Recebemos a denúncia em agosto e estamos analisando o caso desde então. Claro que não podemos afirmar nada. Mas não podemos excluir o risco de a jovem estar sendo vítima de trabalho escravo ou explorada sexualmente”, afirmou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB em Contagem, Patrícia Theodoro.
MP não vê impedimento em jovem viver com namorado
A 23ª Promotoria de Justiça da Comarca de Contagem ouviu o acompanhante da jovem, suposto namorado dela. Ele declarou aos promotores que a teria conhecido no Haiti, há cinco anos, e que a trouxe ao Brasil com o aval da família, assim que ela fez 18 anos. Ele tem emprego fixo em uma rede atacadista e está com a documentação regular. Diante disso, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) entendeu que não há impedimento para que a jovem more com ele.
A garota já estaria em condições de receber alta do Hospital Municipal de Contagem, na região metropolitana da capital, há três meses. Mas isso não teria ocorrido por ela não ter para onde ir.
Segundo a diretoria da unidade, como a jovem não tem documentos nem familiares, a equipe do hospital é que acionou o Ministério Público para definir o destino dela.
Enquanto a garota esteve hospitalizada, recebeu aulas de português, conforme a equipe do local informou.
Sobre a alta
Acompanhamento
A coordenadora do Centro de Referência Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (Cerna), Lúcia Apolinário, disse que o órgão vai acompanhar a saída da jovem do hospital.
Destino
Segundo Lúcia, o Cerna não vai abrigar a haitiana porque ela não teria solicitado. A jovem teria dito que quer ir para a casa do suposto namorado.
Investigação
Visita
Investigadores da Polícia Civil estiveram no Hospital Municipal de Contagem nesta quarta-feira. Segundo a assessoria da corporação, ainda não é possível afirmar que existe crime.
Situação
O Ministério Público foi procurado, mas a promotora responsável está em período de férias.
