Justiça autoriza pais a plantar maconha para tratar o filho, em Minas

Com síndrome rara, garoto já teve mais de cem ataques epiléticos em um dia

Em uma decisão histórica, um juiz da 3ª Vara Criminal da Comarca de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, concedeu um habeas corpus autorizando os pais de um menino de 4 anos – que tem paralisia cerebral e síndrome de West – a plantar maconha dentro de casa e na quantidade necessária para produzir um medicamento derivado dela.

A justificativa para a decisão teve como base os direitos à vida, à dignidade e à saúde, tidos como fundamentais na Constituição, conforme escreveu o magistrado Antonio José Pêcego na liminar concedida.

De acordo com a advogada Daniela Tamanini, que representa a família, e o médico Leandro Ramires, responsável pela Associação dos Usuários de Maconha Medicinal de Belo Horizonte, o acontecimento é inédito no Estado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no entanto, alegou não ter como confirmar esse tipo de informação.

Segundo o funcionário público Rodrigo Robledo, 34, pai do menino, o óleo de cânhamo, extraído da planta, alivia os sintomas na criança. “Antes de começarmos o tratamento com o óleo, ele chegava a ter mais de cem ataques epiléticos por dia. Eu e minha esposa ficávamos desesperados”, conta.

Ele explica que o menino nasceu com paralisia cerebral e, aos 4 meses, desenvolveu epilepsia. Aos 7 meses, a doença ficou mais agressiva, transformando-se na síndrome de West. “São descargas elétricas fortíssimas no cérebro que causam a morte dos neurônios, perda cognitiva enorme e espasmos musculares assustadores”, diz.

Robledo frisa que, além de impedirem as crises, os remédios tradicionais anticonvulsivantes como valproato de sódio, topiramato e clonazepam, provocavam efeitos colaterais preocupantes. “Meu filho vivia num estado semivegetativo quando estava acordado, mas ele dormia até 20 horas por dia. Ele não conseguia se mexer e vivia num estado mínimo de consciência”, pontua.

Mudança

O primeiro contato com a maconha medicinal aconteceu em setembro do ano passado, quando a família soube dos benefícios do uso da erva na vida de pacientes com as mesmas condições do menino. “Enviei a receita do neurologista que autorizava o uso a uma entidade do Nordeste, que luta pela liberação do uso medicinal. Então, eles nos mandaram uma amostra do óleo. Os efeitos foram significativos e rápidos: em três semanas, meu filho não teve mais crises convulsivas e voltou a se mexer e ficar consciente”, descreve Robledo.

Desde então, eles passaram a plantar a erva. “Há três meses, conseguimos extrair pela primeira vez o óleo. São necessárias 15 gotas a cada 12 horas via sonda para que ele se mantenha estável”, diz.

Para a família, a decisão judicial é a principal garantia de que o tratamento não será interrompido. “Não queremos vender ou usar, apenas ter a certeza de que ele vai continuar sendo tratado e tendo mais qualidade do que antes”, afirma o pai.

Legislação

Brasil. Não existem regulamentações sobre o plantio para uso medicinal no país. Hoje, a Anvisa dá autorizações especiais para o tratamento médico, já que as substâncias continuam proibidas.

Importação do insumo deixa o tratamento muito mais caro

A regulamentação sobre o uso medicinal da maconha é fundamental para baratear o tratamento e garantir seu acesso, afirma o médico Leandro Ramires, responsável pela Associação dos Usuários de Maconha Medicinal de Belo Horizonte.

“Se o plantio não é autorizado judicialmente, os pais só conseguem os insumos derivados da maconha por meio de importação. Mas o preço desses produtos sofre com a variação do dólar, o que inviabiliza o tratamento para a maioria das famílias”, diz.

O plantio, nesse caso, é a melhor alternativa. “Por mais trabalhosa que a produção seja, é uma realidade mais próxima de quem precisa. Mas o ideal é que houvesse uma produção colaborativa, na qual os pais pudessem comprar a erva diretamente de um fornecedor especializado”, pontua.

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