Funerárias de BH transportam lanche para velório junto com o corpo

Pessoas conhecidas por “enxadinhas” também estariam extorquindo dinheiro para cuidar dos túmulosFoto: GUSTAVO ANDRADE/ O TEMPO / 29/10/2010

Em um velório, você comeria um lanche que fosse transportado no carro de funerária, junto com o corpo? É isso que está acontecendo no Cemitério da Paz, no bairro Caiçara, na região Noroeste de Belo Horizonte.

Ao oferecer o serviço funerário, as empresas têm incluído o buffet, mas com um detalhe: o lanche chega no mesmo carro junto com o corpo que vai ser velado.

Geralmente, segundo a denúncia, os produtos são entregues aos familiares do lado de fora do cemitério, antes de entrar com o corpo.

Diante do absurdo da história, a Câmara Municipal vai debater o assunto em audiência pública na primeira semana de agosto. O Ministério Público será acionado.

Outra prática ilegal cometida no local é a chamada “Máfia da Enxadinha”, em que pessoas extorquem familiares de mortos para cuidar das sepulturas. “Se for preciso, eu encabeço uma CPI dos cemitérios de Belo Horizonte”, reagiu o vereador Jair Di Gregório (PP), que é da Comissão de Transportes da Câmara, e que fez uma visita ao cemitério nesta semana, para apurar as denúncias.

Ele fez o pedido de audiência pela Comissão de Administração Pública.

“Recebemos denúncias que os ‘enxadinhas’ estão cobrando pedágio das famílias. Eles invadem o cemitério e ficam mexendo nas sepulturas, danificando as outras ao lado. Os caras não sabem mexer e obrigam as famílias a pagarem para que eles possam estar dando manutenção erradamente nas sepulturas lá dentro”, disse o vereador, que pretende visitar os quatro cemitérios públicos da capital, acompanhado de uma equipe técnica da Câmara Municipal.

“Coffee break”

A denúncia, segundo o vereador, é que as funerárias, além de preparar os corpos para sepultamento, ainda estão oferecendo buffet para os velórios no Cemitério da Paz.

“Estão entregando o lanche para as famílias. E quando a fiscalização da prefeitura vai para cima, pois isso não pode lá dentro, eles entregam o lanche para as famílias lá fora, para que as famílias possam entrar com os lanches para o velório. Lanche, não! É coffee break, mesmo!”, reagiu o vereador.

“São vários tipos de salgados, refrigerantes, leite, café. É um mesão, mesmo, que eles entregam”, comentou.

“A denúncia é que eles estão transportando esses lanches para entregar para as famílias em carros funerários. Mesmo não estando com o morto lá dentro, eles estão usando o mesmo carro. São carros que transportam defunto para cima e para baixo”, afirmou Di Gregório.

Segundo o vereador, há informações de que o lanche também é transportado junto com o corpo, o que coloca em risco a saúde de quem o consome.

“Você imagina que tem alguns tipos de morte, alguns tipos de doença, que você não pode nem tocar no corpo. Agora, imagina uma pessoa ingerir um alimento transportado em um carro que está lotado de bactérias”, alerta o parlamentar.

Ameaças

O diretor de necrópoles e de gestão de finanças da Fundação de Parque Municipais e Zoobotância de Belo Horizonte, que administra os cemitérios públicos da capital, Wellington Corrêa, disse que proibiram “verdadeiros buffets” que eram montados dentro dos necrópoles, mas que as funerárias criaram outros mecanismos que dificultam a ação da prefeitura.

Ele conta que a Fundação de Parques baixou portaria em 2016 dispondo sobre o fornecimento e venda de produtos nos cemitérios. Quando tomou conhecimento dos lanches entregues pelas funerárias, ele disse ter se reunido com o Sindicato das Funerárias de Minas Gerais para alguns ajustes.

Quando a funerária entrega lanche, ela é notificada e o sindicato também é acionado para cumprimento da portaria, segundo o diretor.

“Para eu poder tomar uma ação mais veemente com as funerárias, eu preciso ter um flagrante. Então, eles entregam o lanche para os entes de quem está sendo velado. Há dificuldade para a gente agir”, disse Corrêa.

“Não posso pedir para abrir o carro funerário para olhar se o lanche está lá dentro. Eu não posso chegar para a pessoa e perguntar se o lanche que ela está comendo foi fornecido pela funerária e tomar o lanche da mão dela. São ações agressivas e desrespeitosas, principalmente naquele momento de dor”, reforçou Corrêa, lembrando que, mesmo assim, há fiscalização.

Licitação

O diretor de Necrópoles lembra que as lanchonetes existentes nos cemitérios municipais participaram de licitação e pagam outorga para utilização do espaço.

“Realmente, o que a funerária faz é vender um produto que não poderia estar sendo entregue dentro de um cemitério”, alertou Corrêa, que disse ter recebido denúncia de que os lanches chegam em carros de funerária.

“Eu não posso afirmar se os produtos são transportados na parte de trás do carro funerário, se vão na parte da frente ou se em outro carro. Eu sei que eles entregam dentro de saquinhos plásticos. Inclusive, já chega na mão da pessoa”, disse o diretor. “Agora, se o lanche sai no carro da funerária, não posso afirmar. Mas, que existe essa prática, existe”, reforçou.

“Máfia da Enxadinha”

O diretor de Necrópoles reconhece a prática da “Máfia da Enxadinha”. Segundo ele, o procedimento irregular foi descoberto no início da sua gestão e diversas medidas foram tomadas.

“Acontece que os enxadinhas chegaram a partir até para o enfrentamento, colocando a gente em risco. Houve momentos em que eles queriam até nos agredir”, disse.

Corrêa conta que mudaram as ações e passaram a notificar as pessoas que têm a perpetuidade dos jazigos, para conscientizá-las de que a prática é ilegal.

Além de estarem utilizando um equipamento público para ganhar dinheiro, os “enxadinhas”,  segundo ele, estão extorquindo dinheiro dos contribuintes. “O grande problema é que os próprios munícipes patrocinam isso, mesmo sem querer”, alerta.

Danos

Os “enxadinhas”, segundo ele, acabam invadindo outros sepulturas e as danificando. “Estão fazendo desabar outras sepulturas, causando infiltrações. Eles não sabem o que é um cemitério-parque, que ele tem que ser uniforme, retilíneo, só com a grama por cima. Quando eles cavam fazendo canteiros, eles causam rachaduras que causam infiltrações que podem proliferar o mosquito da dengue”, disse.

“Eu mesmo fui ameaçado por eles (enxadinhas). Eles partem para o confronto. Por isso, tomamos essa medida de chamar o concessionário. Diminuiu?, diminuiu. O problema continua? Continua. Mas, temos agido de maneira mais proativa para não causar esse enfrentamento”, disse o diretor de necrópoles.

Cemitérios

Belo Horizonte conta com quatro cemitérios municipais, sendo dois clássicos, que são o Bonfim e o Saudade, e dois cemitérios-parques, o da Paz e o da Consolação.

“Essa prática do enxadinha só acontece nos cemitérios-parques. No Cemitério da Consolação, nós já conseguimos coibir muito e, cada vez mais, nós estamos melhorando. No Cemitério da Paz, precisamos agir, sim, com mais eficácia”, afirmou Corrêa.

Sindicato

O Sindicato das Funerárias de Minas Gerais foi procurado pela reportagem para falar sobre o fornecimento ilegal de lanches para velórios, mas ninguém foi encontrado.

VIARedaçã
FONTEO Tempo
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