Relembre quem era Guilherme de Pádua e a morte de Daniella Perez

Guilherme de Pádua fez um vídeo pedindo perdão para a mãe de Daniella Perez — Foto: Reprodução YouTube

Guilherme de Pádua, ex-ator, ex-stripper, e atualmente pastor da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, morreu na capital mineira nesse domingo (6) após um infarto. Pádua teve sua vida explorada na minissérie documental “Pacto Brutal”, obra de cinco episódios que estreou em julho deste ano, jogando luz sobre o assassinato da atriz Daniella Perez, morta aos 22 anos, em 28 de dezembro de 1992. O caso completa 30 anos no próximo mês.

O corpo da atriz foi encontrado pela polícia, ao lado de seu carro, no matagal de uma até então pouco adensada Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, com 18 perfurações, a maioria concentradas na região do coração. O relato de uma testemunha levou a polícia a De Pádua, que era colega de elenco da vítima, e à então mulher dele, Paula Thomaz.

Após o documentário, Pádua chegou a gravar um vídeo com um pedido de perdão a Glória Pérez. “Não foi isso que imaginei”, diz, ao contar que não desejava que o pedido de desculpas fosse feito em vídeo e que em diversos momentos ensaiou contatar advogados das partes envolvidas ou pedir que alguém intermediasse um encontro entre ele e a mãe da vítima.

“Mas talvez eu nunca vá ter a possibilidade real de pedir perdão por isso”, ele continua. “Eu te peço perdão por todo o sofrimento que te causei”, afirma, se dirigindo a Gloria Perez. Pádua então estende o pedido de desculpas ao marido de Daniella Perez, Raul Gazzola, que teria recebido o ex-ator com um abraço quando ele chegou na delegacia sem que soubesse de seu envolvimento no crime. “Ali vi que era a pior pessoa do mundo. Nunca na minha vida eu senti algo como naquele momento”, acrescenta o ex-ator.

Pádua iniciou o vídeo afirmando que, desde o lançamento de “Pacto Brutal”, minissérie documental da HBO Max que rememora o assassinato e se tornou um fenômeno de audiência, ele tem sido confrontado quanto à veracidade de seu “sentimento cristão”.

Quem era Guilherme de Pádua?

Mineiro de Belo Horizonte, ele nasceu em 1969 e chegou ao Rio de Janeiro no final dos anos 1980, disposto a tentar uma carreira no meio artístico. Quando do crime, Guilherme de Pádua estava no ar na novela “De Corpo e Alma”, interpretando Bira, um motorista de ônibus que fazia par amoroso com Yasmin, que por sua vez era interpretada por Daniella Perez –que por sua vez era filha da autora do enredo, Gloria Perez.

Com a novela, que estreou em agosto de 1992, a roteirista assumia a sua primeira trama das oito em voo solo. O enredo principal girava em torno de Paloma (Cristiana Oliveira), que recebia o coração transplantado de outra mulher, Betina, grande amor de Diogo, papel de Tarcísio Meira. Yasmin, por sua vez, era irmã de Paloma, a protagonista da história.

Série na HBO

Em “Pacto Brutal”, Gloria Perez conta que Guilherme de Pádua chegou ao elenco de “De Corpo e Alma” meio que por acaso, já que Alexandre Frota, que estava designado para o papel, tinha outros compromissos. Foi então, diz ela, que Roberto Talma, diretor da trama, pinçou a ficha do ator mineiro num banco de dados de intérpretes iniciantes. Na TV ele só havia feito uma participação em “Mico Preto”, novela das sete que foi ao ar em 1990.

Se na televisão ele dava os seus primeiros passos, no teatro já tinha somado mais papéis. Na peça “Pasolini”, por exemplo, ele interpretou o garoto de programa responsável pela morte do célebre diretor italiano. Voltaria a interpretar um michê no musical “Blue Jeans”, que causou um estouro na virada dos anos 1980 para os 1990.

Wolf Maya, diretor do espetáculo, fala em “Pacto Brutal” de como conheceu o jovem vindo de Belo Horizonte numa moto. Fábio Assunção, que estava no elenco, assim como Alexandre Frota e Maurício Mattar, se recorda de um soco cênico que Guilherme de Pádua acabou desferindo de verdade.

Por fim, o ator também voltou a interpretar um garoto de programa em “Via Appia”, filme erótico alemão rodado no universo das saunas de prostituição masculina de Copacabana.

Na época ele também participou do show de strip-tease que a travesti Eloína dos Leopardos mantinha na Galeria Alaska, conhecido point gay no bairro da zona sul carioca, e que terminava com todos os rapazes ficando completamente nus.

Foi por volta dessa época que começou o envolvimento dele com Paula Thomaz, que na série é pintada como uma encrenqueira que já havia brigado por ciúmes do marido e que idolatrava entidades místicas que estariam por trás de um suposto sacrifício ritual do qual Daniella Perez foi vítima. Não à toa, diz a produção, amparada por uma ocultista, ela morreu em noite de lua nova.

É fato que Guilherme de Pádua havia declarado ter um guia espiritual e que um exame constatou que as perfurações no corpo da atriz indicavam o uso de um punhal, nunca encontrado, e não de tesoura, como argumentado pelos réus

Bernardo Braga Pasqualette, o autor do livro-reportagem “Daniella Perez: Biografia, Crime e Justiça” (ed. Record), em processo de finalização, diz que “é injusto fazer associações entre a vida dos acusados e o assassinato”. “As pessoas têm de responder pelo que fizeram e não por outras coisas”, diz, acrescentando que homofobia, dirigida a Pádua, sexismo, a Thomaz, e preconceito contra religiões de matriz africana, dirigido a ambos, sempre pairaram em torno do caso. “Houve uma espetacularização do passado deles.”

De toda forma, dizem os diretores de “Pacto Brutal”, algum tipo de acordo entre o casal condenado havia. “As tatuagens genitais eram um indício”, diz Tatiana Issa, se referindo ao laudo que constatou que Pádua havia tatuado o nome de Thomaz em seu pênis, e que ela tatuou o nome dele em sua vulva.

O crime

Na noite de 28 de dezembro de 1992, o corpo de Daniella foi encontrado num matagal na Barra da Tijuca, perfurado por cerca de 18 punhaladas realizadas com uma tesoura que feriram seus pulmões e o coração.

Cada um dos dois foi condenado por homicídio qualificado a uma pena de quase 20 anos de prisão, após o júri popular acatar a tese da acusação de que o casal premeditou o crime –ela, por ciúmes do marido; ele, por vingança contra a autora da novela, já que seu papel na trama vinha sendo reduzido. O ator não queria deixar o romance da trama acabar, é o que defende a tese do seriado.

Os dois têm versões diferentes. Paula Thomaz nega que tenha participado. Guilherme de Pádua, que em depoimentos à polícia assumira a culpa, depois passou a sustentar a tese de que a sua então mulher, tomada de ciúmes pela relação dos dois parceiros de cena, é quem teria se atracado com Daniella Perez no matagal.

A polícia chegou até De Pádua por causa de uma testemunha que teria visto o seu carro, com a chapa adulterada, na cena do crime, pouco antes de o corpo da atriz ter sido deixado ali. A Justiça concluiu que o ator e sua mulher armaram uma emboscada contra a vítima. Ambos foram condenados por homicídio qualificado a uma pena de 19 anos de prisão e hoje estão em liberdade.

Há cinco anos, o ex-ator se tornou pastor da Igreja Batista da Lagoinha, em sua cidade natal, Belo Horizonte. Guilherme de Pádua concedeu poucas entrevistas sobre o caso, mas seu nome sempre reaparece por aí, como quando criou um canal no YouTube para falar de sua conversão religiosa. Numa de suas últimas aparições públicas, em 2020, foi às ruas num protesto pró-Bolsonaro.

Guilherme de Pádua e Paula Thomaz se separaram logo depois do crime. Hoje um pastor batista em Belo Horizonte, ele se casou com a maquiadora Juliana Lacerda em 2017.

“Casei com o Guilherme porque o amo de verdade e ele é a realização de um sonho em minha vida”, disse Juliana ao jornal Extra na época da cerimônia. “Ele é um homem maravilhoso, só quem o conhece sabe o quanto. Ele não é rico, tem um passado triste, mas, mesmo assim, costumo dizer que ele é o meu marido cem vezes mais.”

“Procurem saber do caso aí direitinho que vocês vão saber o que aconteceu”, disse ela depois, nas redes sociais, emendando que “coisas absurdas aconteceram” após crime. “Se eu for falar aqui, vai ser muito polêmico, muito chocante pra vocês”, disse. “O Guilherme não é assassino de ninguém.”

Stripper

Apesar de o ator negar, sempre que podia, seu passado como stripper, Eloína dos Leopardos lembra bem da rápida passagem de Guilherme de Pádua por seu famoso show erótico, que esquentou a noite carioca por mais de uma década, com seus rapazes que apareciam totalmente nus no palco.

Assassino confesso de Daniella Perez, que voltou ao noticiário recentemente com o lançamento da série documental “Pacto Brutal”, Pádua teve uma breve participação no espetáculo – foram duas semanas de contrato, o que deve ter resultado em apenas quatro subidas ao palco, de acordo com Eloína, já que os shows aconteciam aos sábados e domingos.

“Eu o pus no espetáculo a pedido de um amigo em comum, Carlos Wilson Damião, que na época era diretor na Globo. Mas foi por um período curto, porque ele recebeu uma chamada para a novela [‘De Corpo e Alma’] logo depois, também por causa desse amigo”, diz Eloína por telefone.

A “Noite dos Leopardos” ganhou fama entre os anos 1980 e 1990 com sua ousadia. As performances eram protagonizadas por um grupo de rapazes sarados, que a cada vez que subiam ao palco apareciam com menos peças de roupa. No grand finale, todos ficavam totalmente pelados, com o pênis ereto.

O show era frequentado por todo tipo de gente, incluindo celebridades da mesma Globo. A rotina dos rapazes, durante o dia, consistia em fazer musculação e tomar sol, e Eloína relembra que alguns deles faziam programas por fora, com homens e mulheres que iam vê-los.

De acordo com ela, que foi a primeira rainha de bateria do Brasil e hoje se apresenta no Bar da Dona Onça, no centro de São Paulo, Pádua nunca teve comportamento violento nos bastidores -característica sobre a qual Gloria Perez, mãe de Daniella, várias vezes questionou Eloína.

“Ele era muito na dele, quieto. Não se adaptava. Também era muito complexado, porque ele era muito bonito de rosto, mas não de corpo. Ele era grilado por causa disso”, relembra Eloína. “No final, claro, ele entrava de pau duro, como todo mundo, mas tinha a coisa do pau pequeno, que também mexia com ele.”

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