Ramon Lamar, Biólogo licenciatura, bacharelado e mestrado pela UFMG, em uma entrevista exclusiva, ao site Tecle Mídia, explica possíveis causas das mortes dos Pirarucus (“Peixes Gigantes”, na Lagoa Paulino, no centro de Sete Lagoas.
A Lagoa Paulino vem sofrendo, desde muito, com uma série de intervenções totalmente desvinculadas de qualquer objetivo estudo ambiental. O ponto alto dessas intervenções foi sem dúvida alguma a introdução dos botos na mesma, seguida pela introdução de carpas. A dupla de animais provocou enorme degeneração nas condições biológicas do lago e a partir daí a lagoa nunca mais foi a mesma.
Obras na década de 1980 minimizaram o lançamento de esgotos na lagoa e, recentemente, a limpeza das galerias pluviais e o estancamento de alguns pontos de vazamento de esgoto diminuíram o ritmo de lançamento de matéria orgânica. Mas é muito pouco frente ao enorme acúmulo de sedimentos orgânicos no seu leito, que além do mais são revolvidos constantemente pelos peixes, o que provoca efeitos estéticos e biológicos importantes.
Junte-se a isso o fato de ser uma lagoa rasa com uma profundidade média que não chega a 2 metros. Basicamente ela possui um único rasgo que vai da região da fonte luminosa até sua comporta (perto do Arthur Bernardes) onde a profundidade pode chegar a 4 metros. No mais, em sua maior parte, pode ser cruzada sem se dar uma braçada.
É importante essa contextualização para entendermos que modelos que se aplicam a lagoas de 20 metros de profundidade não se aplicam à Lagoa Paulino. Não há uma inversão importante das camadas ou estratos de água em lagoas desse tipo, simplesmente pelo fato de tais camadas precisarem de profundidades maiores para se estabelecerem. E os poucos estudos que tive acesso sobre as concentrações de oxigênio na lagoa mostram níveis acima de 4mg/litro. Abaixo disso podemos sim ter uma mortandade generalizada de peixes. Tudo isso precisa ser compreendido para entendermos as recentes mortes divulgadas de Pirarucus na Lagoa Paulino.
O pirarucu é um peixe da bacia amazônica que foi indevidamente introduzido na lagoa. Há relatos que também tenha sido introduzido na Lagoa José Félix. Outra irresponsabilidade de quem quer que tenha sido, seguramente ocorrido por volta de uma década e meia atrás, que deveria ter sido amplamente investigada e punida na época. O pirarucu (Arapaima gigas) divide com a piraíba (Brachyplatystoma filamentosum) o título de maior peixe de água doce do mundo, podendo chegar a 3 metros e 250 quilos.
O pirarucu, como vários peixes da bacia amazônica, tem alternativas para conseguir o oxigênio necessário para sua respiração. Quase 80% do oxigênio que ele consegue vem da respiração aérea. Não é um peixe pulmonado verdadeiro, mas sua bexiga gasosa (órgão de flutuação) tem a capacidade de fazer as trocas gasosas necessárias para o peixe conseguir oxigênio.
Para tanto, ele precisa vir até a superfície e esse é o momento em que ele é arpoado e capturado. Basicamente vem à superfície em intervalos que variam de 5 a 15 minutos. Além do mais, e para entender a questão da morte dos pirarucus, convém lembrar que em períodos de frio não há diminuição drástica do teor de oxigênio na água, pelo contrário. É no verão que ocorre a diminuição da solubilidade do oxigênio e maior consumo pelo metabolismo dos organismo do sedimento. Claro que o teor de oxigênio varia durante as 24 horas e cai na parte da noite/madrugada pela ausência da fotossíntese. Mas nada que em princípio provocaria a morte dos pirarucus.
A questão da temperatura da água em si, bastante baixa no último mês, pode ter algum reflexo na saúde geral do peixe, facilitando sua contaminação com fungos ou com parasitas possivelmente existentes na lagoa, mas há mais informações que precisam ser conhecidas para não se tentar atribuir a apenas uma causa tais eventos. Não foram apenas dois pirarucus mortos. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) identificou 7 mortes de pirarucus nos últimos dois meses. Ou seja, as mortes começaram antes do período de frio extremo e coincidindo com o período em que já verifiquei fotograficamente a ocorrência de reprodução dos mesmos na Lagoa Paulino.
Dos 7 animais periciados, três apresentavam sinais inequívocos de lesões por tentativa de pesca, dos outros quatro ainda aguardamos mais informações. Anzóis têm sido encontrados frequentemente “de espera” na orla da lagoa. Em outras palavras, tem gente querendo comer ou comercializar a carne desses peixes o que é um assunto muito grave e transcende a questão da morte dos peixes, tornando-se um problema de saúde pública e um caso de polícia. Inequivocamente, as baixas temperaturas podem fragilizar o animal facilitando o surgimento de doenças.
O período reprodutivo (se é que ocorreu reprodução) faz os machos se exporem mais pois são eles que “ensinam” os filhotes como subir à superfície para respirar – isso é muito visível e já registrei sua ocorrência várias vezes em outras épocas (os dois animais mortos que vi imagens, pela coloração das escamas, são machos). O nível de contaminação microbiológica das águas, que levou à condição de proibição de uso da água, nado e pesca desde 2010, persiste e é claro que impõe um risco a mais para a fauna.
O teor de oxigênio, salvo uma análise que mostre que tem ficado abaixo de 4mg/litro, creio não ser o principal fator num peixe que tem respiração aérea. Mas é importante frisar que 3 dos 7 animais mortos foram vítimas de tentativa de pesca. Acho que no momento isso se impõe e deve ser amplamente divulgado. O consumo de peixes da Lagoa Paulino, da Lagoa do Cercadinho e da Lagoa José Félix não deve ser feito.
Não há garantia alguma de que o cidadão estará livre de contaminação com micro-organismos ou com toxinas (que são resistentes ao cozimento do pescado) que podem se acumular no organismo e provocar falência de órgãos como o fígado, baço e rins. Portanto, a boa ciência nos indica cautela e investigação. E total apoio aos órgãos como a Semas no sentido de colaborar com essas investigações e na proposição de uma agenda exequível de devolver para nossos cidadãos uma lagoa com melhores condições para uma fauna e flora nativas e equilibradas.
Pessoal do Teclemidia, especialmente o Diego,oObrigado pela oportunidade de expor algumas informações sobre o problema. Fico à disposição para eventuais dúvidas e esclarecimentos.