Um mês após tragédia, famílias de Brumadinho vivem a dor de não encontrar vítimas

REUTERS / Adriano Machado

Ao ouvir o nome de Samara, as lágrimas começam a escorrer pelo rosto de dona Maria da Conceição dos Santos, de 61 anos. A face perdeu a expressão e dona Maria é silêncio. Está assim desde que Samara, sua filha de 27 anos, desapareceu sob a onda de rejeito de mineração gerada pelo rompimento da barragem da Vale , em Córrego do Feijão (MG). A tragédia completa nesta segunda-feira um mês e Samara permanece na lista de desaparecidos, que na sexta-feira somavam 133, a maioria deles empregados terceirizados da mineradora, como ela, e membros de comunidades ribeirinhas. Outros 177 mortos  foram identificados.

As famílias dos desaparecidos vivem a tragédia dentro da tragédia. Apesar dos esforços dos bombeiros, alguns podem nunca ser encontrados, presos na lama. Samara Cristina dos Santos Souza era ajudante de cozinha. Estava no refeitório da mina e ligou para um irmão quando a barragem rompeu. Depois, sumiu sob os rejeitos, conta sua irmã Solange Maria de Souza, de 39 anos, que guarda dela uma foto no celular em que sorri ao lado do filho de 8 anos. Com Samara está desaparecida na lama sua melhor amiga, Carla Borges Pereira.

— A gente só queria dar um enterro para ela e descanso para minha mãe. Tirar a Samara da lama. A gente cresceu junto do Paraopeba e agora ele nos lembra dos mortos — diz Solange.

Solange Maria de Souza (à esquerda, ao lado da mãe Maria Conceição dos Santos), perdeu a irmã Samara, que era auxiliar de cozinha no refeitório da Vale Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Solange Maria de Souza (à esquerda, ao lado da mãe Maria Conceição dos Santos), perdeu a irmã Samara, que era auxiliar de cozinha no refeitório da Vale Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
A família vive numa casa de tijolos aparentes e placas no lugar de cercas, numa estrada de terra usada pelas mineradoras à beira do Paraopeba em Peixe do Funil, em São Joaquim de Bicas, vizinho a Brumadinho.

— Não sabemos o que fazer, a quem recorrer. Também estamos perdidos. Precisamos de ajuda — afirma Solange.

Como Solange, Rosemeire Lícia dos Santos Brito, de 51 anos,  busca um irmão. O soldador Rogério Antônio dos Santos, de 56 anos, deixou esposa e um filho. Um outro irmão de Rosemeire, Ronaldo, é motorista de caminhão e estava acima da Barragem 1 na hora em que ela rompeu.  Ele viu a barragem estourar e sabia que  Rogério estava no refeitório.

— Ele viu quando a onda destruiu tudo. Ele não esquece — diz Rosemeire, que se preocupa com a mãe.

Dona Luisa Lícia Soares, de 75 anos, espera o filho.

— Minha mãe acha que o Rogério um dia vai dos matos e voltar para casa. Ela pensa que ele está por aí, que vai conseguir voltar. Por favor, precisam devolver o corpo do meu irmão para a minha mãe ter paz.

É a paz que buscam os parentes de Manoel Messias Souza Araújo, 57 anos, visto pela última vez quando fugia da lama da Vale, que arrasou sua casa em Parque da Cachoeira. Sua sobrinha, Ana Cristina Cardoso Araújo, de 39 anos, conta que o tio morava com sua mãe e o padastro e vivia de pequenos serviços na vizinhança. Os pais foram levados para um hotel pela Vale e Ana Cristina diz que a empresa limita as visitas que recebem. Do tio, ficaram as lembranças e o nome na lista dos desaparecidos. Nem o telhado da casa mais se vê.

— Há um ano a Vale fez um cadastro dos moradores e nunca mais voltou. Por favor, pedimos ao país para não nos esquecer. Não deixem que esqueçam as vítimas de Brumadinho. Queremos Justiça. A vida do meu tio não valia nada? Queremos dar descanso para ele — revolta-se Ana Cristina.

O corpo do funcionário da Pousada Nova Estância Reinaldo Guimarães, de 33 anos, foi um dos primeiros a ser encontrados. Mas sua mãe, Elza Auxiliadora, de 52 anos não sabe mais o que é paz ou descanso. Todos os dias chora de saudades de Reinaldo, que deixou dois filhos órfãos.  E não sabe como será o futuro. Ela era camareira na pousada, completamente arrasada:

—  Era para eu estar lá, morta com o meu filho. Mas naquele dia trocaram o meu horário. Sobrevivi. Meu filho, meu patrão, a família dele, meus amigos. Morreram todos, do lugar onde eu trabalhava não restou nada. E agora não tenho nem do que viver. Não recebi qualquer assistência. A Vale destruiu a minha vida.

Para famílias dos mortos identificados, restou o sofrimento e a indignação. Por três vezes a lama da Vale atingiu Rosângela Maria Matos, de 53 anos. Matou seu filho, Duane Moreira de Souza, de 33 anos. Matou sua irmã, Eva Maria de Matos, de 56. E destruiu o rio Paraopeba sobre o qual se debruça sua casa, no bairro de Pires, em Brumadinho.

— Essa tragédia vai fazer um mês, mas para mim, não terá fim. A Vale destruiu o meu mundo. Essa lama tem o sangue do meu filho e da minha irmã. Tive que me despedir do meu menino em caixão fechado. Isso não pode ficar impune. Não há justiça. Lembrem de Mariana e vejam que não há justiça — frisa.

Duane morreu no dia do seu aniversário. A mãe o esperava para lhe dar os parabéns. Quem chegou foi a polícia para avisar que o manobreiro de trem — era ele quem dava instruções ao maquinista do trem arrastado pela tsunami de rejeito — estava na mina atingida. Duane deixou viúva e três filhos. Eva, uma filha de 13 anos.

— Para mim só restaram dor e revolta. Tenho recebido muito apoio dos amigos e da empresa em que trabalho, a MRS. Mas da Vale, nada. Tem só uma coisa que quero na vida, ver essa gente presa e olhar nos olhos deles e perguntar por que deixaram o meu filho e a minha irmã morrerem. Deixariam as famílias deles lá?

Ela fez um pequeno oratório para o filho e a irmã e se orgulha das rosas vermelhas no jardim, plantadas por Duane. Pensa nas outras mães de filhos mortos e desaparecidos:

— Meu filho era o meu melhor amigo. Muitas mães agora sofrem assim. Haverá justiça para as mães de Brumadinho?

FONTEG1
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