Defesa não aponta fraude nas urnas, mas cita “relevante risco” e sugere investigação técnica

Ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, vem reunião em agosto com o presidente do TSE, Alexandre de Moraes| Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE.

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, encaminhou nesta quarta-feira (9) ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, o relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação. No documento, os técnicos militares não apontaram indícios de fraude nas urnas eletrônicas – disseram que o objetivo do trabalho não era apurar crimes eleitorais. Por outro lado, apontaram a possibilidade de “relevante risco” à segurança na fase de compilação (preparação) dos programas instalados nas máquinas, pela possibilidade de acesso à rede dos computadores usados nesse processo.

Além disso, a pasta afirmou que, no teste de integridade das urnas – realizado no dia das eleições, “não é possível afirmar que o sistema eletrônico de votação está isento da influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”. Neste ano, o TSE atendeu a uma das sugestões das Forças Armadas de realizar esse teste com a biometria de eleitores reais perto ou dentro das seções de votação.

Ao encaminhar o relatório a Moraes, Paulo Sérgio comunicou a sugestão dos técnicos militares de realizar uma “investigação técnica”, “para melhor conhecimento do ocorrido na compilação do código-fonte e de seus possíveis efeitos”. Além disso, “promover a análise minuciosa dos códigos binários que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas”. Boa parte do relatório diz que não foi possível aos técnicos examinar de forma abrangente e aprofundada todos os sistemas usados na preparação das urnas eletrônicas.

Em nota publicada pelo TSE após o recebimento e a divulgação do documento, Alexandre de Moraes afirmou que a Corte recebeu o documento “com satisfação”. “Assim como todas as demais entidades fiscalizadoras, [o Ministério da Defesa] não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”, diz a nota.

Informou ainda que as “as sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas” e finalizou afirmando que “as urnas eletrônicas são motivo de orgulho nacional, e que as Eleições de 2022 comprovam a eficácia, a lisura e a total transparência da apuração e da totalização dos votos.”

“Apesar da intenção de conferir transparência ao processo, as ferramentas e os procedimentos disponibilizados pela equipe técnica do TSE para o trabalho das entidades fiscalizadoras não foram suficientes para uma análise técnica mais completa”, diz a conclusão do relatório, assinado pelo coronel do Exército Marcelo de Sousa, pelo coronel aviador da Aeronáutica Wagner da Silva, e pelo capitão da Marinha Marcus Andrade.

Há várias semanas, o relatório de fiscalização era aguardado com ansiedade, seja por ministros do Supremo Tribunal Federal e do TSE apreensivos com a possibilidade de que seja usado pelo presidente Jair Bolsonaro para contestar a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja por apoiadores do atual mandatário que têm se reunido em frente aos quartéis, em capitais e várias cidades do país, para pedir uma intervenção das Forças Armadas para impedir a posse do petista, com base na suspeita de fraude.

O envio do documento ao tribunal foi antecipado – inicialmente, o plano da Defesa era encaminhar o relatório 30 dias após a análise de toda a fiscalização realizada. No ofício a Moraes, Paulo Sérgio Nogueira ressalta a importância do processo eleitoral “para a harmonia política e social do Brasil” e, por isso, solicita ao TSE “considerar a urgência na apreciação da presente proposição”.

“Relevante risco de segurança”

O relatório da Defesa apontou “relevante risco à segurança” da preparação das urnas num capítulo do relatório que descreve a fiscalização realizada pelos militares na cerimônia de assinatura digital e lacração dos sistemas. Trata-se de uma etapa do processo eleitoral em que os programas elaborados pelo TSE para serem executados são compilados – procedimento no qual os códigos-fonte contendo os comandos são transformados em códigos binários, de modo que o hardware da urna possa executá-los.

A cerimônia e a lacração dos sistemas têm por objetivo demonstrar que os softwares utilizados não sofreram alterações após sua realização. O relatório, porém, diz que, na etapa anterior, de compilação, os computadores que executam o procedimento “acessaram infraestrutura de rede, para obtenção dos código-fonte ou bibliotecas de software de terceiros”. “Na ocasião, não foram informadas as estruturas acessadas ou suas localizações, impossibilitando aferir a correspondência entre o código-fonte inspecionado e o efetivamente compilado”.

Nas entrelinhas, o relatório indica não haver garantia de que o código-fonte examinado pelas entidades fiscalizadoras – as próprias Forças Armadas, técnicos de partidos e outros especialistas – é o mesmo instalado nas urnas na forma de programas executáveis.

“A ocorrência de acesso à rede durante a compilação pode configurar relevante risco de segurança ao processo”, completa o relatório. No documento, as Forças Armadas ainda registram que pediram ao TSE um esclarecimento sobre o assunto com prazo de 10 dias, mas que não houve resposta. O relatório também narra que a Defesa pediu ao TSE acesso a um sistema de controle das versões do código-fonte, para saber se o que foi inspecionado efetivamente corresponde ao que foi instalado. O TSE respondeu, segundo o documento, que “o processo de inspeção não contempla a análise de seu histórico de modificações diárias”.

A atenção das Forças Armadas a esse ponto se relaciona com a preocupação da comunidade científica, de que haveria brechas para que invasores externos acessem sistemas do TSE e consigam inserir códigos maliciosos que alterem o funcionamento regular da urna, para desviar ou anular votos em determinado candidato.

Para contornar esse problema, os militares sugeriram ampliar o escopo de fiscalização, para incluir as infraestruturas externas ao ambiente de compilação – ou seja, rastrear a rede conectada a esses computadores.

Relação tensa entre TSE e Forças Armadas começou em 2021

A entrega do relatório nesta quarta é mais um capítulo da relação tensa, iniciada em 2021, entre as Forças Armadas e o TSE. Tradicionalmente, os militares não participam da fiscalização do sistema de votação, e sempre colaboraram nas eleições transportando urnas para locais remotos e garantindo a segurança da votação em áreas de perigo.

No ano passado, porém, após a rejeição, pelo Congresso, da proposta do voto impresso – bandeira histórica de Bolsonaro, mas que sempre sofreu grande oposição por parte de servidores e ministros do TSE – o então presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, resolveu convidar a Defesa para ser uma das entidades fiscalizadoras das urnas eletrônicas.

A pasta passou a fazer parte de um grupo de instituições e entidades que sempre participaram das auditorias internas do sistema, controladas pelos técnicos do tribunal, mas que sempre chancelaram a integridade das urnas. Alinhados às suspeitas de Bolsonaro, os técnicos militares passaram a esquadrinhar a fundo o sistema, apresentando uma série de questionamentos aos técnicos do TSE, cujas respostas – apontando supostos erros de conceito e cálculos nas perguntas – incomodaram os oficiais encarregados da fiscalização.

O estranhamento entre TSE e Defesa chegou ao ápice neste ano, quando Barroso disse, num evento acadêmico no exterior, que os militares estariam sendo orientados a atacar o processo eleitoral. Em reposta, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, disse que a declaração, sem provas, era “irresponsável” e uma “ofensa grave”. Outro incômodo veio depois, quando Edson Fachin, que assumiu a presidência do TSE em fevereiro, disse que as eleições cabiam às “forças desarmadas”, declaração vista como provocativa, ao lado de outras indiretas contra Bolsonaro.

A partir de agosto, quando Alexandre de Moraes passou a comandar o TSE, a relação deu sinais de melhora. O ministro passou a receber Nogueira para reavaliar sugestões foram apresentadas para melhorar a fiscalização das urnas, mas haviam sido rejeitadas na gestão Fachin.

Com maior capacidade de diálogo com a caserna, Moraes acolheu a principal recomendação: realizar o teste de integridade – pelo qual urnas são retiradas das seções no dia da eleição para verificar se computam corretamente os votos – com a biometria de eleitores e perto dos locais de votação. A ideia era aproximar o teste ao máximo possível de uma votação real. Das 641 urnas testadas – um número recorde – 58 foram submetidas ao modelo proposto pelos militares; nos dois casos, segundo o TSE, não foram detectadas discrepâncias nos resultados.

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