Impasse judicial põe em xeque ocupação no Cidade de Deus em Sete Lagoas; prazo chega ao fim neste sábado (31)

A Cidade de Deus surgiu em maio de 2020 e já abriga 95 famílias. 'Aqui a gente tem um teto', diz moradora.

Ocupação em Sete Lagoas surgiu durante a pandemia — Foto: Reprodução/TV Globo

Se a pandemia foi responsável pelo aumento da pobreza e da desigualdade social, a ocupação Cidade de Deus, localizada em Sete Lagoas, na Região Central de Minas Gerais, é a prova concreta disso. A comunidade nasceu em 17 de maio de 2020 em um terreno público, esvaziado há pelo menos duas décadas, como uma consequência direta do recrudescimento da vulnerabilidade.

Ela reúne despejados, vítimas de violência doméstica, sem-teto e tantas outras pessoas que ficaram sem saída com a “avalanche” do coronavírus.

Hoje, o local reúne cerca de 95 famílias que sobrevivem, majoritariamente, graças à união e à solidariedade. Mais de um ano depois da instalação da ocupação, o poder público quer reivindicar o espaço de volta.

Uma reintegração de posse foi determinada por decisão judicial e estava prevista para 27 de maio, mas foi suspensa por 60 dias após decisão da própria Vara da Fazenda Pública e Autarquias do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), com o intuito de encontrar uma conciliação entre a comunidade e o poder público.

O prazo chega ao fim neste sábado (31) e, sem acordo, o processo retorna ao estágio que estava em maio. Agora, a comunidade se divide entre a indignação e o medo de voltar para a situação que se encontravam no que, para eles, era o pior momento da pandemia.

As cerca de 95 famílias se organizam em um esquema de apoio mútuo. Há cozinha compartilhada, refeitório e até uma escolinha para as crianças. Eles se dedicam às tarefas domésticas de forma coletiva, em esquema de rodízio.

Alessandra de Lima foi a primeira moradora da ocupação. Ela se instalou no local após ser despejada devido a uma ação judicial. Desempregada devido à pandemia, se viu sem saída e se mudou para a ocupação para não ter que morar nas ruas.

“A melhor parte de morar aqui hoje é que a gente tem um teto. Temos segurança. A pandemia prejudicou muita gente. Aqui tem teto, as pessoas ajudam a gente. Tudo que a gente precisa a gente tem aqui”, relata Alessandra.

A cabeleireira Daniele de Oliveira chegou à ocupação no início de 2021, por recomendação do irmão, após passar 22 anos morando de favor na casa da cunhada. Com a pandemia, teve que fechar o salão e perdeu as clientes. Ela encontrou apoio e acolhimento na ocupação.

“Não tem coisa melhor. É liberdade, meus filhos nunca tiveram. Onde eu morava era pequeno, como ser fosse apartamento. Aqui eles podem correr, brincar”, diz Daniele.

Resistência

O pedreiro Daniel José e a esposa, a babá Ana Poliana, chegaram na ocupação há cerca de um ano e construíram, sozinhos, uma casa de alvenaria. Antes, viviam de favor em uma casa de três cômodos com outras oito pessoas.

“Viver em comunidade. Quando chove a gente sai daqui para arrumar lona ou trazer pra cá. Essa luta não é de um, é de todos. Esse é o ponto que foi mais satisfatório. Nesse ponto de pandemia, com tudo restrito, encontramos gente na mesma situação que a nossa e fazendo algo por nós”, narra Daniel.

O decorador de festas Henrique Canuto é hoje uma das lideranças da Ocupação Cidade de Deus. Sem renda com a chegada da pandemia, fez parte da negociação direta com o poder público com a reintegração de posse.

“No dia 17 de maio, a prefeitura veio com um trator e destruiu uma casa de alvenaria, tiraram a gente. A gente voltou, fez manifestação na porta da prefeitura e prometeram que iam mostrar a forma dentro da lei como conquistar o lote dentro da lei, o que não aconteceu”, salienta Henrique.

Desde então, a ocupação foi essencial para que muitas famílias tivessem o que comer durante a pandemia e até mesmo para que conseguissem procurar trabalho. Em maio, quando a comunidade se instalou, todos os chefes de família eram desempregados. Atualmente, cerca de 30% deles já estão inseridos no mercado de trabalho.

“A gente levou propostas para a mesa de negociação, para lotear e ver um financiamento para cada família, da forma que cada um puder pagar. Levou a proposta de destinar outra área que existe em Sete Lagoas para ser destinado à habitação popular. Ninguém está aqui batendo o pé, estamos abertos ao diálogo”, completa Henrique.

A Prefeitura de Sete Lagoas informou que o município é obrigado a reivindicar a posse de qualquer área pública ocupada irregularmente. Afirmou, também, que a reintegração de posse foi determinada por decisão judicial e que parte do terreno é área de preservação permanente. O município disse, ainda, que planeja um programa habitacional na área do terreno que não é protegida e que as famílias da ocupação vão ser priorizadas.

A tentativa de conciliação está sendo mediada pelo Governo de Minas Geraias. A Secretaria Estadual De Desenvolvimento Social disse que elabora um diagnóstico da situação. O Tribunal de Justiça informou que, sem a conciliação, o processo terá o seguimento normal.

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