Com déficit de 43% de investigadores na Polícia Civil, inquéritos se acumulam nas delegacias de Minas

Minas Gerais possui déficit de 43% de investigadores de Polícia Civil. São pelo menos 4.825 profissionais que deveriam ser contratados para suprir toda a demanda de investigações do estado. A informação é do próprio governo que anunciou, na última semana, a nomeação de 425 novos investigadores. Eles eram excedentes de um concurso realizado em 2014. Apesar da nomeação, o governador Romeu Zema (Novo) está impedido de fazer novos processos seletivos, por não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

De acordo com o governo, o número ideal seria de 11,3 mil investigadores e, atualmente, há 6,5 mil.

O déficit, segundo o Sindicato dos Servidores da Polícia Civil (Sindpol) impacta diretamente na investigação dos crimes. “Com certeza inquéritos ficam parados. Vamos oficiar o Ministério Público (MP). Tem que ter um engajamento do MP para cobrar do estado maior envolvimento e investimento na Polícia Civil”, disse o vice-presidente do Sindicato Marcelo Armstrong.

O pesquisador da Fundação João Pinheiro Felipe Zilli apontou que tudo que a PM produz, em termos de prisão, apreensão e flagrantes, deveria ser capaz de ser processado pela Civil.

“Ela [Polícia Civil] não está dando conta de receber toda a demanda, porque não tem efetivo para processar tudo aquilo que é feito pela Militar. A consequência disso é que a gente tem uma produção de segurança pública muito precária. Se a gente tá em um cenário de grande crescimento e força da Polícia Militar, mas a Civil muito defasada, muito depauperada, a gente tem um cenário muito difuso”, disse.

O concurso, realizado em 2014, tinha validade de dois anos, com prorrogação por igual período. Segundo o Sindicato dos Servidores da Polícia Civil (Sindpol), dentro das vagas previstas no edital, foram chamadas 1 mil pessoas. Após a homologação do concurso, em agosto de 2015, o governo foi chamando os excedentes do certame e, contando com as nomeações da semana passada, foram convocados 1.054 excedentes.

De acordo com Marcelo Armstrong, o déficit é agravado porque parte dos investigadores está afastada por problemas de saúde. “Mais ou menos 30% está sem trabalhar por problema psiquiátrico provocado pelo acúmulo, sobrecarga de trabalho”, afirmou.

Ainda segundo o Sindipol, cada delegacia tem, em média, um escrivão, um delegado e cerca de três investigadores. Por isso, estima-se que existam, em cada uma delas, em torno de 600 a 700 inquéritos que não são concluídos. “Acaba dando a sensação de impunidade mesmo. Porque o governo só investe na Polícia Militar (PM), na prevenção nas ruas, mas não investe na polícia judiciária, que é quem investiga”, disse.

Para o especialista Felipe Zilli, mesmo que os pequenos crimes sejam os que realmente afetam o cotidiano da população, a criminalidade mais organizada e bem estrutura também precisa de atenção. “Tudo aquilo que é pautado como uma criminalidade mais sofisticada, como assaltos a banco, homicídios, grandes traficantes de drogas e crimes que só serão combatidos efetivamente com a investigação mais apurada. Entretanto, muitos casos ficaram prejudicados. O que a gente tem é um cenário de combate muito difuso, muito pulverizado de uma micro criminalidade”, explicou.

Além disso, segundo o estudioso, em crimes como homicídio, a Polícia Civil e o sistema de justiça conseguem processar um número baixíssimo de casos e, desse número, apenas uma minoria leva a uma condenação.

“Vem daí a nossa tendência de ter presos provisórios. Mais da metade dos presos de Minas Gerais são presos provisórios, ou seja, presos que não foram julgados ou condenados, justamente porque esse processo de investigação de provas que é típico trabalho da Polícia Civil, ele não consegue ser feito por uma instituição que está sucateada”, apontou.

Lei de Responsabilidade Fiscal impede novos concursos

O vice-presidente do Sindipol contou que luta, desde o governo de Fernando Pimentel (PT), pela recomposição dos quadros da Polícia Civil. A dificuldade para suprir a falta de policiais pode ser explicada pelo rombo no caixa do governo. Com um déficit fiscal de R$ 15 bilhões, o gasto com folha de pessoal que chega a 76,5%, extrapolando os 60% previstos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Com o desequilíbrio nas contas, Romeu Zema (Novo) não pode realizar novos concursos. Segundo o governo, as nomeações não ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal porque foram concretizadas após aprovação por parte da Câmara de Orçamento e Finanças (COF) e nota técnica da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag).

Após fazer um balanço de seis meses de governo no Bom Dia Minas desta terça-feira (9), o governador disse ao G1 que espera a sanção da reforma administrativa, além de outros projetos encaminhados à Assembleia Legislativa referentes ao Plano de Recuperação Fiscal, para normalizar o quadro de policiais civis.

“É notório para todos a situação financeira do estado. Com isso, este ano, estamos tendo que postergar a efetivação de várias pessoas, equipes que prestaram concursos em anos anteriores porque não estamos conseguindo pagar a quem já está. Então, colocarmos mais pessoas iria agravar este quadro financeiro. Nós estamos aguardando que as reformas sejam aprovadas para que o estado melhore a situação e nós venhamos a condição de normalizarmos”, afirmou o governador.

Zema reconheceu que, além de investigadores, faltam bons equipamentos para o trabalho da categoria. “Com toda certeza, [as investigações] poderiam ser aceleradas. Tudo que envolve recursos financeiros tem sido prejudicados dentro do estado.”

O que dizem os envolvidos

O Ministério Público de Minas Gerais disse que o governo de Minas Gerais tem autonomia administrativa e financeira para gerir a contratação de pessoal. O MP disse que acompanha a situação em cada local do estado, e vem atuando onde tem identificado prejuízo à população.

A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que, apesar do déficit constatado no efetivo, “trabalha diuturnamente e efetivamente empenhada para dar resposta à sociedade ao fenômeno criminal. Para tanto, dispõe de servidores capacitados para prestar atendimento de qualidade à população”.

Informa, ainda, que a atuação de polícia judiciária se dá em todo o Estado, que conta com 73 Delegacias Regionais e 71 unidades de Plantão, as quais cobrem investigações em todos os municípios mineiros. Além disso, os sete Departamentos de Atuação Especializada dão suporte também em todo o território, auxiliando as ações dos 19 Departamentos Territoriais.

De 1º de janeiro a 21 de junho a PCMG executou mais de 570 operações em todo Estado com foco no combate a organizações criminosas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, tráfico de drogas, homicídios, dentre outras.

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